sexta-feira, janeiro 09, 2009

A viagem

A viagem de ônibus

O almoço tinha sido excelente o qual prepararia para enfrentar os 30minutos mais emocionantes de uma viagem de ônibus. Curitiba tem uma diferença das demais cidades, ela possui tubos de ônibus no lugar de ponto de ônibus. O tubo funciona como uma cápsula que você paga sua passagem e aguarda o ônibus e no ônibus não existe cobrador. Tudo começou ao entrar no tubo, poucos instantes depois um trator-escavadeira parou na frente do tubo e começou a cavar para retirar parte do asfalto. O trator parou exatamente na porta do tubo, onde se embarca no ônibus, e pela primeira cavada, ficou bem claro que aquele trabalho não iria ser rápido o suficiente até a chegada do próximo ônibus. Juntamente com o trator, alguns outros caminhões trancaram a rua e uma equipe começou a realizar o trabalho sem nem notar as pessoas que estavam no tubo. Internamente ao tubo começou-se a gerar uma inquietude, todo mundo se olhando e desacreditando a cena que passava diante dos olhos de todos. A inquietude passou a pavor, e começaram a questionar o cobrador que estava mais perdido que visita procurando banheiro em mansão de madrugada. O pavor cresceu coletivamente quase virando pânico quando se viu o ônibus se aproximando e ele não poderia chegar até o tubo.
A confusão se resolveu quando o cobrador levou os passageiros (ou pretendentes a tal) até o tubo que existia a cerca de 100 metros de onde estávamos. Com certeza alguns “gaiatos” acabaram entrando na muvuca e deixaram de pagar a passagem para encarar a nossa bela viagem.
Como sempre, o ônibus com uma boa ocupação, não me restou um lugar vago, ou seja, mochila no chão e mãos no puta-que-pariu. Logo na minha frente, estavam sentadas duas “tias” uma com diversas sacolas, um vestido florido, não tinha netos, só dois filhos moços. A outra também uma pessoa simples, de pouco estudo, provavelmente uma pessoa sofrida que veio do interior tentar a vida na cidade grande. Ouvi-las conversarem foi a segunda diversão (a primeira já fora ver o tumultuo causado pelo trator) No momento em que meus ouvidos começaram a “sintonizar” a conversa, imediatamente veio-me a musica do Teatro Mágico chamada “Zazulejo”. A conversa era mais ou menos assim:
“Ma óia, eu to se esquecendo di tudu, onti memo ainda fui no cadifur, cumprei leite e se esqueci di leva as crompa pá casa. To cum pobrema na cabeça, num podi uma pessoa se esquece tantu disso”
“Cê tem que ver isso, parece pobrema memo, eu ando também cuns problema meu fio disse q to cum despressaum, mais num tenho vontadi de fazê nada, male mal di come”.
“Ah! Issu é pobrema de cabeça mesmu, tem que ir no Pigicólico”
A conversa foi interrompida por uma parada no tubo, e uma gordinha que estava dormindo um pouco pra trás acordou e falou com uma voz mole e alto “Já chegou no Campo Comprido ?” alguém gritou não e imediatamente ela voltou a dormir. Incrivelmente, mas aquele ônibus não parava no Campo Comprido!
No segundo tubo, a mesma gordinha gritou novamente “Já chegou no Campo Comprido?” e um passageiro tentou chegar até ela para lhe dizer que aquele ônibus não passava no Campo Comprido, apesar da velocidade e agilidade do bom rapaz, ao chegar até a gordinha e começar a dizê-la, ela já tinha ouvido um “não” e cairá novamente em um sono profundo que nem permitiu que ouvisse ao o rapaz. E isso se repetiu por todos os tubos seguintes.
Já na terceira parada, entra o típico vendedor de doce, um garoto com uma caixinha na mão, mochila nas costas e roupa surrada, as portas do ônibus fecharam e ele iniciou imediatamente o seu discurso:
“Desculpem atrapalhar a sua viagem, mas eu poderia estar agora me drogando ou roubando algum de vocês, mas eu preferi vir até vocês desta forma e vender alguns docinhos para eu conseguir levar comida para minha casa. Gostaria de lhes oferecer uma balinha por um real. Tem de cereja, menta e eucalipto, é bem gostosa, macia e novinha.”
Já tinha ouvido o discurso em outra viagem, mas passa a ser engraçado a fala decorada e robótica, que já se tornou marca registrada de vendedores de ônibus.
No outro tubo o vendedor desceu e novamente voltei os ouvidos para as duas tias com suas perfeitas locuções. E também observei que todos por perto também observavam a conversa e puxavam os lábios para um semi-sorriso, que não poderia ser por outro motivo senão o bom português das moças.
Por tantas atrações, pareceu-me que o onibus andou bem mais rápido e quando chegamos ao ponto final, a gordinha novamente questionou “Já chegamos no Campo Comprido ?” desta vez, ninguém respondeu pois todos já estavam saindo do onibus, ela levantou o pescoço, olhou e disse “Ih ! ta todo mundo descendo, eu também vou descer”.

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